Comer deveria ser um comportamento natural, tranquilo e até intuitivo. Porém, em algum momento da vida, muitas pessoas perdem o elo entre suas necessidades reais e os alimentos.
Nos primeiros anos, conseguimos reconhecer melhor os sinais que o corpo envia para regular fome e saciedade. No entanto, com frequência, somos incentivados por pais e cuidadores a comer mais ou menos do que precisamos. Essa interferência pode nos desconectar de nossos próprios sinais corporais.
O desafio de viver longe de casa
Para quem escolheu viver em outro país, adaptar-se a uma nova cultura alimentar e ao ritmo acelerado do cotidiano pode transformar a alimentação em um ato automático — e, muitas vezes, emocional.
O alimento, tradicionalmente ligado ao afeto e à partilha, torna-se, em muitos casos, a única forma de se sentir "em casa" estando longe. Um churrasco no domingo, um pão de queijo no café da manhã, um brigadeiro para matar a saudade da infância… todos esses sabores trazem acolhimento. Mas quando a rotina exige demais — trabalho intenso, pouco tempo e até o alto custo de certos ingredientes — comer passa a refletir a pressa, o cansaço e a solidão.
A armadilha da praticidade
A indústria, por sua vez, responde com soluções "práticas": alimentos que alimentam rápido, mas não nutrem de verdade. O resultado é um padrão alimentar desregulado, muitas vezes compulsivo, que pode levar ao ganho de peso, à baixa autoestima e a uma relação cada vez mais conflituosa com o próprio corpo.
O outro extremo: o medo de engordar
Por outro lado, há também o extremo oposto: o medo constante de engordar, muitas vezes alimentado por bullying, padrões estéticos irreais e a pressão para ser aceito. Isso é especialmente comum entre adolescentes e jovens adultos, que podem desenvolver uma relação de medo com a comida — pulando refeições, contando calorias obsessivamente ou excluindo grupos alimentares inteiros.
Em casos mais graves, esse comportamento pode evoluir para transtornos como bulimia e anorexia, em que o corpo passa a ser visto como um inimigo.
O sofrimento por trás dos extremos
Ambos os cenários, apesar de opostos, têm algo em comum: o sofrimento psíquico e a desconexão com as próprias necessidades reais. Soma-se a isso o apelo incessante das redes sociais por corpos perfeitos e estilos de vida inatingíveis, o que gera culpa, sensação de inadequação, comparação, ansiedade e, muitas vezes, depressão.
E quando a comida se transforma em consolo ou em controle, deixa de ser apenas nutrição: vira uma linguagem emocional.
Como a psicologia pode ajudar
É aqui que a psicologia, especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), torna-se uma aliada poderosa. Essa abordagem ajuda a identificar pensamentos sabotadores — como "eu não tenho controle" ou "comer vai me fazer fracassar" — e propõe a construção de uma nova relação com a comida: mais consciente, mais gentil e mais realista.
O que a TCC oferece
- Identificação de padrões: Reconhecer gatilhos emocionais que levam a comer compulsivamente ou restringir alimentos
- Reestruturação cognitiva: Desafiar pensamentos distorcidos sobre comida, corpo e autoestima
- Desenvolvimento de estratégias: Criar formas saudáveis de lidar com emoções difíceis sem usar a comida
- Reconexão com o corpo: Aprender a ouvir e respeitar os sinais de fome e saciedade
- Autocompaixão: Desenvolver uma relação mais gentil e menos crítica consigo mesmo
Sair do ciclo de restrição ou descontrole
A psicologia do comportamento alimentar propõe sair do ciclo de restrição ou descontrole, e entrar em um caminho de autoconhecimento, autocuidado e respeito às próprias necessidades — físicas e emocionais.
Estratégias práticas
- Estabelecer uma rotina alimentar regular
- Praticar alimentação consciente (mindful eating)
- Identificar e nomear emoções antes de comer
- Desenvolver um repertório de estratégias de enfrentamento além da comida
- Cultivar uma rede de apoio social
- Celebrar a cultura alimentar de origem sem culpa
Você não está sozinho
Se você está vivendo fora do Brasil e sente que a comida se tornou um campo de batalha, saiba: você não está sozinho. Comer é mais do que nutrir — é sentir, lembrar, pertencer. E é possível reconstruir essa relação com amor, com cuidado e com ajuda.
Quando buscar ajuda profissional
Considere buscar apoio psicológico se você:
- Sente que perdeu o controle sobre sua alimentação
- Usa comida como principal forma de lidar com emoções
- Tem medo constante de ganhar peso
- Evita situações sociais por causa da comida
- Sente culpa intensa após comer
- Nota mudanças significativas no seu peso ou padrão alimentar
- Percebe que a relação com a comida está afetando sua qualidade de vida
O caminho para uma relação saudável com a comida
Reconstruir uma relação saudável com a alimentação é um processo que leva tempo, paciência e, muitas vezes, apoio profissional. Não se trata de seguir dietas restritivas ou regras rígidas, mas sim de:
- Reconectar-se com seus sinais internos de fome e saciedade
- Permitir-se desfrutar de todos os alimentos sem culpa
- Usar a comida para nutrir, não para punir ou recompensar
- Desenvolver formas saudáveis de lidar com emoções
- Cultivar autocompaixão e aceitação corporal
Lembre-se: buscar ajuda não é sinal de fraqueza, mas de coragem e autocuidado. Você merece ter uma relação pacífica e prazerosa com a comida, independentemente de onde esteja vivendo.


